Os estudiosos da Educação se utilizam
frequentemente de slogans e metáforas. Os slogans são certas expressões ou frases
que sintetizam, de certa forma, um grande volume de informações. Eles são muito
importantes porque imprimem uma espécie de força na comunicação dos
orientadores com os professores ou com o pessoal envolvido nas atividades da
escola. As metáforas são figuras de linguagem onde se estabelece uma analogia
de problemas educacionais com outros fenômenos já conhecidos.
"A escola educa para a vida", é um slogan. "O professor é o jardineiro
que cuida da plantinha tenra até que possa sobreviver sem ajuda", é uma
metáfora.
Em Educação costuma-se situar duas grandes concepções,
ou tendências, que englobam as formas particulares de pensar as finalidades da
escola. Cada uma dessas tendências tem o seu slogan.
"A função da escola é preparar para a
vida",
é um deles. Muitos
educadores, muitos professores, boa parte de pais, defendem a ideia de que a
tarefa da escola é preparar "para a vida". Se, às vezes, não
expressam seu pensamento nessa forma de slogan,
ainda assim, imaginam a escola com essa função.
Nessa perspectiva os indivíduos teriam dois
momentos em sua história. Um primeiro momento em que se é criança ou jovem,
possuindo características que indicam uma espécie de incompletude: falta
cultura, falta ficar maduro, falta aprender, falta, falta... A criança ou o
jovem é uma espécie de adulto incompleto que, pela ação da escola e do tempo,
tornar-se-á completo, maduro, pronto para a vida que se seguirá depois. Isso
conota a ideia de que o segundo momento, a vida depois da escola, será mais
frutuoso quanto mais duro, mais difícil, mais intenso, tiver sido o momento da
preparação. "Estude hoje para ser alguém amanhã", é outro slogan correlato a essa forma de
imaginar a função da escola.
"Educação é vida" é o slogan
utilizado pelos que imaginam diferente a função da escola.
O criador da expressão foi John Dewey, filósofo
da educação contemporânea.
Esse slogan
não considera que a história de cada indivíduo se faça em duas etapas, uma
onde se prepara e outra onde se vive. Na verdade história individual e vida se
confundem.
Para os educadores que adotam tal slogan a criança não é ser incompleto ao
qual falta alguma coisa. É antes um ser completo que deve ser encarado em seu
próprio estágio de desenvolvimento.
A criança, logo após o parto, consegue sobreviver
porque é ser completo para essa idade e por isso sobrevive em sua nova fase,
agora extra-uterina. Uma criança de sete, oito, nove ou quantos anos se queira,
será sempre um ser completo se tomada como nesse estágio de desenvolvimento.
Não são adultos aos quais está faltando alguma coisa, mas seres completos,
embora inacabados.
São inacabados sim, como somos todos. O homem em
nenhum momento torna-se pronto, acabado. Sempre lhe está faltando alguma coisa,
alguma experiência, em seu processo de vida. A vida é, no fundo, um processo de
crescimento e acabamento que se prolonga até a morte, esta sim a última lição
da vida. Enquanto não se morre não se viveu todas as experiências da vida. Só
aí, depois da morte, é que se pode falar em homem acabado, pronto.
Essa ideia tem para a educação e para os
professores uma importância muito grande. As crianças devem ser encaradas em
seu estado de completude. Não são pequenos "anjos" ou
"demoniozinhos" que temos que domesticar para se tornarem adultos
dóceis, obedientes. Os seus atos, as próprias peraltices, são decorrentes de
estados internos de indivíduos que estão descobrindo o mundo e suas leis. Nada
do que fazem, nada do que falam é inútil. Tudo, se examinarmos na raiz da ação,
tem a sua razão de ser. E mais ainda, não são ações gratuitas, mas ações necessárias
ao seu desenvolvimento físico, emocional, motor, intelectual. Se a inibimos,
se a impedimos de agir quando a ação é espontânea, estaremos, certamente,
tolhendo um movimento, uma fala, uma ação, que fará falta no seu processo de
tornar-se adulto. Por isso se afirma sempre que a maior garantia de um adulto
bem ajustado é dada pela vida de criança enquanto se é criança.
Os educadores que adotam como slogan "educação é vida" e
fazem dele o seu ideário, sabem que o sucesso na etapa adulta da vida não
decorre de períodos difíceis, sacrificados, quando se é criança, mas das
possibilidades que a criança teve de ser criança, num processo contínuo de
crescimento, sem saltar etapas, sem suprimir experiências. Etapas ou
experiências não vivenciadas devidamente irão constituir lacunas em seu
processo de crescimento que jamais serão preenchidas.
Fazer uma escola assim não é tarefa fácil. É
muito mais cômodo para a escola, para os professores, um ambiente onde se
restringe quase tudo que a criança gosta e precisa fazer. Suprime-se o barulho, suprime-se a contestação,
suprime-se a criatividade, suprime-se a rebeldia. Mas o verdadeiro educador, o
que conhece o que tudo isso significa na vida das crianças, esse não pensa duas
vezes. Amplia o seu trabalho, o seu esforço, o seu empenho, apesar dos
contratempos, para fazer da educação a vida.
CONHECIMENTOS E HABILIDADES INTELECTUAIS
Até o início do século passado a pedagogia estava
preocupada com o problema da "transferência da aprendizagem".
Essa questão era estudada pela psicologia e pode
ser resumida da seguinte forma: de que maneira a aprendizagem de um
conhecimento ou habilidade pode ser transferida de modo a facilitar a
aprendizagem de outros conhecimentos e habilidades que, de alguma forma, lhe
são correlatos? Saber tocar piano facilita a aprendizagem de outro instrumento?
Quem sabe tocar piano aprende mais facilmente datilografia? Etc.
Era problema que, uma vez equacionado, poderia
auxiliar na organização dos currículos, especialmente quanto à sequência dos
conhecimentos que devem ser apresentados aos alunos. Essa questão ficou sendo
conhecida como "transferência de aprendizagem específica".
Nos anos quarenta, no entanto, essa linha de
estudos foi abandonada. O problema continuou sendo estudado, mas de outra
perspectiva que ficou sendo conhecida como "transferência de aprendizagem
não específica". A nova visão ficou mais ou menos assim colocada: que
coisas devem ser ensinadas de forma que quem as aprenda possa adquirir novos
conhecimentos no futuro, por si só, sempre que isso se fizer necessário?
Essa nova visão levou a distinguir no ato de
aprender duas facetas distintas: a aprendizagem de conhecimentos e a
aprendizagem de habilidades intelectuais.
No que diz respeito à aprendizagem de
conhecimentos, a pedagogia se encaminhou no sentido de apresentar aos alunos os
aspectos fundamentais, as grandes sínteses e visões, de forma que o seu domínio
permita acrescentar todos os detalhes de conhecimentos sempre que isso se
fizer necessário.
A aprendizagem de habilidades intelectuais, que
sempre se deu de maneira aleatória, como sub-produto das aulas, passou a
merecer a atenção da pedagogia.
Ao longo da história institucionalizada o
professor sempre esteve preocupado em transmitir um conjunto de conhecimentos
que existem "para ser ensinados em escolas", aquilo que está nos
compêndios de cada campo ou matéria. É o "saber compendiado". Os
professores tratam de tornar tais assuntos "digeríveis" com
explicações e exemplos; os alunos se exercitam, memorizam, depois respondem a
algumas questões incluídas em provas e estão todos satisfeitos. Se depois, ao
cabo de alguns dias apenas, os alunos são incapazes de se recordar do que foi
ensinado parece não preocupar ninguém.
Em nossas vidas fomos todos obrigados a
"aprender" tais assuntos, devolvê-los nos dias de provas e exames. E
fizemos isso e fomos aprovados. Quando se começa, no entanto, a pesquisar em
que medida o que fazemos em nossas vidas profissionais foi aprendido na escola
parece que encontramos um vazio. Parece que tudo foi aprendido depois, em
situações problemas nas quais nos vimos envolvidos e tivemos que estudar, nada
tendo a ver com a aprendizagem daqueles "conhecimentos compendiados".
Quantos de nós têm condições de responder perguntas de História, Geografia,
Matemática, Gramática etc, que já respondemos quando éramos alunos?
Isso, então, é uma declaração que a escola foi
inútil? Não. De forma nenhuma. Estamos desejando demonstrar que a função da
escola não está ligada somente aos conhecimentos que nos tentaram
ensinar. A sua função está, também, nos sub-produtos de suas atividades.
Enquanto o professor nos ensinava conhecimentos e nos fazia trabalhar com eles,
estava, na verdade, ensinando-nos outras coisas, ensinava-nos habilidades
intelectuais e hábitos de trabalho.
A partir dos anos cinquenta a pedagogia passou a
encarar a questão de outro ângulo. Se o que levamos da escola são as
habilidades intelectuais, estas sim úteis por toda a vida que nos permitem
aprender mais, ir mais adiante, enfrentar problemas novos e resolvê-los, por
que não se preocupar expressamente com essas habilidades intelectuais? Por que
não resgatar para a preocupação principal da escola, esse local privilegiado,
aquilo que antes era apenas sub-produto da aprendizagem?
E que vêm a ser tais Habilidades
Intelectuais?
Um grupo de educadores e psicólogos nos Estados
Unidos, sob a liderança de Benjamin Seymour Bloom elaborou um trabalho
interessante a respeito. Dividiu os objetivos da escola em dois grandes campos:
conhecimentos e habilidades. O primeiro comporta apenas uma categoria; o
segundo cinco categorias. E essas seis categorias possuem um "continuum" de dificuldade e
importância da menor para a maior. São as seguintes pela ordem: conhecimento,
compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação.
Em razão do "continuum"
que se estabelece, o domínio de uma categoria implica no domínio das categorias
precedentes mais baixas. Assim, um indivíduo que faz aplicação está
demonstrando, ao mesmo tempo, que tem o domínio da compreensão e do
conhecimento.
Eis o significado de cada uma das categorias:
1. Conhecimento
- é o domínio de fatos,
leis, teorias etc, e pode ser demonstrado pela evocação (lembrança). Implica
sempre em memória.
2. Compreensão
- significa a habilidade de apreender
o significado de um certo assunto ou material. Implica em interpretar o
material ou ideia que está sendo ensinado.
3. Aplicação
- é a habilidade em utilizar
um material aprendido abstratamente como leis, teorias, regras etc, em
situações novas e concretas.
4. Análise - é a habilidade de separar um determinado
assunto ou material em suas partes constitutivas de modo que a estrutura
organizacional possa ser entendida.
5. Síntese - é a habilidade de combinar os elementos ou
partes de um determinado assunto ou material de forma a constituir um novo
todo.
6. Avaliação
- é a habilidade de julgar
um certo material tanto do ponto de vista de sua coerência interna como de sua
relevância ou aplicabilidade para a vida.
A escola preconizada não se descuida do conhecimento. Afinal ele é base e pretexto
para a aprendizagem das habilidades. Estas só podem ser aprendidas enquanto
dirigidas a determinados conhecimentos que, aliás, estão na base do "continuum".
E qual a importância dessas habilidades
intelectuais para a vida futura do aluno? Inestimáveis. São, na verdade, os
valores que a sociedade cobra dos indivíduos engajados em qualquer atividade
produtora. Em qualquer empresa, em qualquer atividade, o de maior prestígio não
é aquele que apenas conhece fatos, leis, teorias, mas aquele capaz de, numa
situação problema, utilizar as mais diversas habilidades intelectuais. Uma
simples regra de gramática em língua portuguesa de nada serve se não puder ser
aplicada em situações concretas, no ato de escrever. A empresa procura alguém
que saiba redigir e não alguém capaz de resolver questões de gramática.
Organizar uma escola preocupada em colocar no
primeiro plano as habilidades intelectuais não é fácil. Durante séculos a
escola preocupou-se com conhecimentos; durante muitos anos os professores
engajados no processo estiveram preocupados em transmitir conhecimentos. Não é
fácil transformar tudo do dia para a noite. Mas estamos lutando. Com a certeza
do que deve ser feito, com a orientação e treinamento dos professores vimos já
alcançando sucesso animador. Oxalá num dia muito breve possamos dizer, aqui no
Uirapuru tudo está sendo desenvolvido, sem qualquer entrave, de acordo com essa
perspectiva.