"Educação para a Vida" e "Educação é vida" (nossa visão)

3/01/2018 0 Comentarios


Os estudiosos da Educação se utilizam frequentemente de slogans e metáforas. Os slogans são certas expressões ou frases que sintetizam, de certa forma, um grande volume de informações. Eles são muito importantes porque imprimem uma espé­cie de força na comunicação dos orientadores com os professores ou com o pessoal envolvido nas atividades da escola. As metáfo­ras são figuras de linguagem onde se estabelece uma analogia de problemas educacionais com outros fenômenos já conhecidos.
"A escola educa para a vida", é um slogan. "O professor é o jardineiro que cuida da plantinha tenra até que possa sobrevi­ver sem ajuda", é uma metáfora.
Em Educação costuma-se situar duas grandes con­cepções, ou tendências, que englobam as formas particulares de pensar as finalidades da escola. Cada uma dessas tendências tem o seu slogan.
"A função da escola é preparar para a vida", é um deles. Muitos educadores, muitos professores, boa parte de pais, defen­dem a ideia de que a tarefa da escola é preparar "para a vida". Se, às vezes, não expressam seu pensamento nessa forma de slo­gan, ainda assim, imaginam a escola com essa função.
Nessa perspectiva os indivíduos teriam dois momentos em sua história. Um primeiro momento em que se é criança ou jovem, possuindo características que indicam uma espécie de incompletude: falta cultura, falta ficar maduro, falta aprender, falta, falta... A criança ou o jovem é uma espécie de adulto incompleto que, pela ação da escola e do tempo, tornar-se-á completo, madu­ro, pronto para a vida que se seguirá depois. Isso conota a ideia de que o segundo momento, a vida depois da escola, será mais frutuoso quanto mais duro, mais difícil, mais intenso, tiver sido o momento da preparação. "Estude hoje para ser alguém amanhã", é outro slogan correlato a essa forma de imaginar a função da escola.
"Educação é vida" é o slogan utilizado pelos que imagi­nam diferente a função da escola.
O criador da expressão foi John Dewey, filósofo da edu­cação contemporânea.
Esse slogan não considera que a história de cada indiví­duo se faça em duas etapas, uma onde se prepara e outra onde se vive. Na verdade história individual e vida se confundem.
Para os educadores que adotam tal slogan a criança não é ser incompleto ao qual falta alguma coisa. É antes um ser com­pleto que deve ser encarado em seu próprio estágio de desenvol­vimento.
A criança, logo após o parto, consegue sobreviver porque é ser completo para essa idade e por isso sobrevive em sua nova fase, agora extra-uterina. Uma criança de sete, oito, nove ou quantos anos se queira, será sempre um ser completo se tomada como nesse estágio de desenvolvimento. Não são adultos aos quais está faltando alguma coisa, mas seres completos, embora inaca­bados.
São inacabados sim, como somos todos. O homem em nenhum momento torna-se pronto, acabado. Sempre lhe está faltando alguma coisa, alguma experiência, em seu processo de vida. A vida é, no fundo, um processo de crescimento e acabamento que se prolonga até a morte, esta sim a última lição da vida. Enquanto não se morre não se viveu todas as experiências da vida. Só aí, depois da morte, é que se pode falar em homem acabado, pronto.
Essa ideia tem para a educação e para os professores uma importância muito grande. As crianças devem ser encaradas em seu estado de completude. Não são pequenos "anjos" ou "demoniozinhos" que temos que domesticar para se tornarem adultos dóceis, obedientes. Os seus atos, as próprias peraltices, são decorrentes de estados internos de indivíduos que estão descobrindo o mundo e suas leis. Nada do que fazem, nada do que falam é inútil. Tudo, se examinarmos na raiz da ação, tem a sua razão de ser. E mais ainda, não são ações gratuitas, mas ações ne­cessárias ao seu desenvolvimento físico, emocional, motor, inte­lectual. Se a inibimos, se a impedimos de agir quando a ação é es­pontânea, estaremos, certamente, tolhendo um movimento, uma fala, uma ação, que fará falta no seu processo de tornar-se adulto. Por isso se afirma sempre que a maior garantia de um adulto bem ajustado é dada pela vida de criança enquanto se é criança.
Os educadores que adotam como slogan "educação é vida" e fazem dele o seu ideário, sabem que o sucesso na etapa adulta da vida não decorre de períodos difíceis, sacrificados, quando se é criança, mas das possibilidades que a criança teve de ser criança, num processo contínuo de crescimento, sem saltar etapas, sem suprimir experiências. Etapas ou experiências não vivenciadas devidamente irão constituir lacunas em seu processo de crescimento que jamais serão preenchidas.
Fazer uma escola assim não é tarefa fácil. É muito mais cômodo para a escola, para os professores, um ambiente onde se restringe quase tudo que a criança gosta e precisa fazer. Suprime-se o barulho, suprime-se a contestação, suprime-se a criatividade, suprime-se a rebeldia. Mas o verdadeiro educador, o que conhece o que tudo isso significa na vida das crianças, esse não pensa duas vezes. Amplia o seu trabalho, o seu esforço, o seu em­penho, apesar dos contratempos, para fazer da educação a vida.

CONHECIMENTOS E HABILIDADES INTELECTUAIS

Até o início do século passado a pedagogia estava preocupada com o problema da "transferência da aprendizagem".
Essa questão era estudada pela psicologia e pode ser re­sumida da seguinte forma: de que maneira a aprendizagem de um conhecimento ou habilidade pode ser transferida de modo a facilitar a aprendizagem de outros conhecimentos e habilidades que, de alguma forma, lhe são correlatos? Saber tocar piano facilita a aprendizagem de outro instrumento? Quem sabe tocar piano aprende mais facilmente datilografia? Etc.
Era problema que, uma vez equacionado, poderia auxi­liar na organização dos currículos, especialmente quanto à se­quência dos conhecimentos que devem ser apresentados aos alu­nos. Essa questão ficou sendo conhecida como "transferência de aprendizagem específica".
Nos anos quarenta, no entanto, essa linha de estudos foi abandonada. O problema continuou sendo estudado, mas de outra perspectiva que ficou sendo conhecida como "transferência de aprendizagem não específica". A nova visão ficou mais ou menos assim colocada: que coisas devem ser ensinadas de forma que quem as aprenda possa adquirir novos conhecimentos no futuro, por si só, sempre que isso se fizer necessário?
Essa nova visão levou a distinguir no ato de aprender duas facetas distintas: a aprendizagem de conhecimentos e a aprendizagem de habilidades intelectuais.
No que diz respeito à aprendizagem de conhecimentos, a pedagogia se encaminhou no sentido de apresentar aos alunos os aspectos fundamentais, as grandes sínteses e visões, de forma que o seu domínio permita acrescentar todos os detalhes de co­nhecimentos sempre que isso se fizer necessário.
A aprendizagem de habilidades intelectuais, que sempre se deu de maneira aleatória, como sub-produto das aulas, passou a merecer a atenção da pedagogia.
Ao longo da história institucionalizada o professor sem­pre esteve preocupado em transmitir um conjunto de conheci­mentos que existem "para ser ensinados em escolas", aquilo que está nos compêndios de cada campo ou matéria. É o "saber com­pendiado". Os professores tratam de tornar tais assuntos "digeríveis" com explicações e exemplos; os alunos se exercitam, memo­rizam, depois respondem a algumas questões incluídas em provas e estão todos satisfeitos. Se depois, ao cabo de alguns dias apenas, os alunos são incapazes de se recordar do que foi ensinado parece não preocupar ninguém.
Em nossas vidas fomos todos obrigados a "aprender" tais assuntos, devolvê-los nos dias de provas e exames. E fizemos isso e fomos aprovados. Quando se começa, no entanto, a pesqui­sar em que medida o que fazemos em nossas vidas profissionais foi aprendido na escola parece que encontramos um vazio. Parece que tudo foi aprendido depois, em situações problemas nas quais nos vimos envolvidos e tivemos que estudar, nada tendo a ver com a aprendizagem daqueles "conhecimentos compendiados". Quan­tos de nós têm condições de responder perguntas de História, Geografia, Matemática, Gramática etc, que já respondemos quando éramos alunos?
Isso, então, é uma declaração que a escola foi inútil? Não. De forma nenhuma. Estamos desejando demonstrar que a função da escola não está ligada somente aos conhecimentos que nos tenta­ram ensinar. A sua função está, também, nos sub-produtos de suas atividades. Enquanto o professor nos ensinava conhecimentos e nos fazia trabalhar com eles, estava, na verdade, ensinando-nos outras coisas, ensinava-nos habilidades intelectuais e hábitos de traba­lho.
A partir dos anos cinquenta a pedagogia passou a encarar a questão de outro ângulo. Se o que levamos da escola são as habilidades intelectuais, estas sim úteis por toda a vida que nos permitem aprender mais, ir mais adiante, enfrentar problemas novos e resolvê-los, por que não se preocupar expressamente com essas habilidades intelectuais? Por que não resgatar para a preocupação principal da escola, esse local privilegiado, aquilo que antes era apenas sub-produto da aprendizagem?
E que vêm a ser tais Habilidades Intelectuais?   
Um grupo de educadores e psicólogos nos Estados Uni­dos, sob a liderança de Benjamin Seymour Bloom elaborou um trabalho interessante a respeito. Dividiu os objetivos da escola em dois grandes campos: conhecimentos e habilidades. O primeiro comporta apenas uma categoria; o segundo cinco categorias. E essas seis categorias possuem um "continuum" de dificuldade e importância da menor para a maior. São as seguintes pela ordem: conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação.
Em razão do "continuum" que se estabelece, o domínio de uma categoria implica no domínio das categorias precedentes mais baixas. Assim, um indivíduo que faz aplicação está demonstrando, ao mesmo tempo, que tem o domínio da compreensão e do conhecimento.
Eis o significado de cada uma das categorias:

1.  Conhecimento - é o domínio de fatos, leis, teorias etc, e pode ser demonstrado pela evocação (lembrança). Implica sempre em memória.
2.  Compreensão - significa a habilidade de apreender o significa­do de um certo assunto ou material. Implica em interpretar o material ou ideia que está sendo ensinado.
3.  Aplicação - é a habilidade em utilizar um material aprendido abstratamente como leis, teorias, regras etc, em situações no­vas e concretas.
4.  Análise - é a habilidade de separar um determinado assunto ou material em suas partes constitutivas de modo que a estru­tura organizacional possa ser entendida.
5.  Síntese - é a habilidade de combinar os elementos ou partes de um determinado assunto ou material de forma a constituir um novo todo.
6.  Avaliação - é a habilidade de julgar um certo material tanto do ponto de vista de sua coerência interna como de sua relevân­cia ou aplicabilidade para a vida.

A escola preconizada não se descuida do conhecimento. Afinal ele é base e pretexto para a aprendizagem das habilidades. Estas só podem ser aprendidas enquanto dirigidas a determinados conhecimentos que, aliás, estão na base do "continuum".
E qual a importância dessas habilidades intelectuais pa­ra a vida futura do aluno? Inestimáveis. São, na verdade, os valo­res que a sociedade cobra dos indivíduos engajados em qualquer atividade produtora. Em qualquer empresa, em qualquer atividade, o de maior prestígio não é aquele que apenas conhece fatos, leis, teorias, mas aquele capaz de, numa situação problema, utili­zar as mais diversas habilidades intelectuais. Uma simples regra de gramática em língua portuguesa de nada serve se não puder ser aplicada em situações concretas, no ato de escrever. A empre­sa procura alguém que saiba redigir e não alguém capaz de resol­ver questões de gramática.
Organizar uma escola preocupada em colocar no primeiro plano as habilidades intelectuais não é fácil. Durante séculos a escola preocupou-se com conhecimentos; durante muitos anos os professores engajados no processo estiveram preocupados em transmitir conhecimentos. Não é fácil transformar tudo do dia para a noite. Mas estamos lutando. Com a certeza do que deve ser feito, com a orientação e treinamento dos professores vimos já alcançando sucesso animador. Oxalá num dia muito breve possamos dizer, aqui no Uirapuru tudo está sendo desenvolvido, sem qualquer entrave, de acordo com essa perspectiva.

Faculdade WlaSan

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